29 de junho de 2013

Então do Amor




    Então do amor, que é feito dele?
    Mais que se procure, achar é sempre sentir quando ele nos falta e carpir são sobras honestas, por demais aperaltadas, mas nada vale a pena como ele nos faz desesperar.
    A rapariga chora abandono e o rapaz troca de sentimento. Logo depois chocalha a cabeça carente. Outro rapaz tem vontade de se atirar de encontro às paredes porque ela disse, gosto de ti mas não te amo, vamos dar um tempo. Voltar atrás é intentar quanto o outro é fraco. Demais.
    Quem não fraqueja perante a paixão? Quem não sente as pernas bambas de amar? Há quem não vacile, há quem não hesite em continuar contabilizando gestos e movimentos como se por isso conseguisse atingir o alvo de querer amar. Mas isso é de quem não se inclui no silêncio do prazer de estar, existir, estamos todos na corrida para a eternidade mas de eternos, não temos nada.
    Tarde pensou, se o fez sequer, agora inventa um modo de se esquivar. Talvez conte com a rapariga a desesperar, chorando pelos cantos a contar às amigas o desaire... só que não vai ser assim o melhor modo de lá chegar.
    E no entanto há quem nesse poço se queira afogar. Há raparigas que jogam bem e rapazes obtusos que são jogados, apesar de arrogantes, são arrastados pelo tabuleiro da situação.
    Há sucessos garantidos, grandes relações com bastantes dados adquiridos, isto é uma verdade irrefutável, por mais contra que esteja, não interessa, é conseguido.
    Felizes? Realizados? Sim, tantos, pelos vistos! Onde ficou então o amor no meio disto, pergunto? De certeza escapou de ser considerado pois nunca foi sentido!
    E quem sou eu para refutar tais factos que produzem valentes resultados?
    O que apenas digo acerca disso é tão simples como esquecer uma vírgula ou até um acento. Não menosprezando quem não lê. Sim, porque sabem ler mas, talvez tenham aversão às palavras em escrita, talvez dê muito trabalho, ler, reler, mais fácil é dizer. E quem afirma disto, como, “não vou estar para aqui a ler isto porque me dá sono”, e depois apressam-se a comprar o matutino jornal desportivo que devoram num ápice, assim que podem, e elas, dizendo o mesmo e que sorvem, absorvem e até regurgitam, revistas de programação televisiva com resumos de profícuas telenovelas e mini séries, outras de coscuvilhices com a vida dos outros que aparecem fotografados como famosos. Que fazer? Que dizer? Se calhar falhei, não sei.

    Pois, e do amor, quem sabe?
    No entanto, era acerca disso que se falava, e mesmo com viagens, tudo se resume ao pequeno estado, mero facto de argumentar contra o próprio, escusado, desejando nunca ter feito, agido como tal, vexado.
    A rapariga ficou sozinha, não foi trocada, não, ninguém troca ninguém. O rapaz deixou-a quando lhe tinha depositado amor, pensava ela, ora ele… talvez nada. O outro amou… mas esqueceu-se de sentir qual o amor dela. E para ela, isso não era nada.
    Ora o amor pode ter lados mas não tem só dois. Mas o amor não é uma figura, não é um objecto, tem espaços. O amor pode ter polos e até pode existir sem nada ter. O amor tanto pode ser uma páscoa como um carnaval, um luar de Agosto ou sol de Outono. Estamos todos na corrida para a eternidade mas de eternos, nada temos. E do amor? Acho que devemos senti-lo, porque dele, afinal, não sabemos nada.



2005

28 de junho de 2013

Sem Palavras



Escrever não é apenas gravar palavras. Escrever até por vezes é menos em palavras o que a escrita permite que seja nas palavras que urgem, sonoras, gritantes no pensar e que até chegarem braço afora até aos dedos se perdem, modificam, desvanecem, torturam-se, mudam, transformam-se, modificam-se, até desaparecem nas frases erigidas e que se pensam terminadas.
É uma vasta liberdade que vicia e a que se regressa com vontade de mais. Quem escreve por amar, de escrever não se sacia

Um poema não é apenas empilhar frases de curtas palavras com ou sem métrica.
Poema é paixão gravada com gestos ou letras!
Poema é suspiro, arfar de respiração, rufar de tambores ou silencio e calma, tanto de placidez como raiva e sangue a jorrar por gritos ou carícias de luar na pele que ferve desejo luxuriante e toque real de carne. Ou um gelo brilhante, um frio branco e ofuscante. Um canto onde a chuva caia e a alma levite.

Escrever não é apenas desenhar letras ao correr da vontade. Escrever até é por vezes menos de querer do que no papel ou noutro qualquer lado seja o que for que fique gravado. Escrever por fácil que seja de tormenta ou dilúvio que jorre das palavras, é tanto de harmonioso e simples como de trabalhoso e suado. Aridez que seca nos lábios o devir da paixão. Nascente cristalina e fresca mas prenhe de esforço e transpiração.
Entre as facas que se espetam na garganta e as flores que jorram das mãos, escrever é uma aventura de sensações que delícia e extasia. Entanto imagina dores onde elas não existem.

Um poema não é apenas um empilhar de palavras, poemas são escritas de alma. Poesia é sentir, saber dizer o que não se ouve, escrever o que não é lido.
Escrever é tanto preencher e moldar volumes como dissecar, descarnar até expor os ossos, numa espécie de procura anatómica. Uma incessante busca que por vezes camufla e adorna. A busca que esconde. A ilusão de verdade que faz truques com a ficção.
Com ou sem métrica, repito: é paixão.


2013

11 de junho de 2013

Pontuação




Um vento estúpido picava-lhe nos olhos a vontade de não ter pressa, não querer acelerar o passo, não abdicar das horas pois que até lhe sabiam bem aqueles minutos, por vezes curtos, mas agora irritava-o a necessidade de se apressar, contrariar a vontade sem ter pressa, porque lhe picava nos olhos o vento, agreste, um vento estúpido e desconexo porque de inverno, adverso, e findava a primavera. Findava a primavera e os olhos não se tinham refeito ainda da voragem dos pólenes, das irritações cutâneas, das aguadilhas ridículas, narizes inflamados, constipações grotescas, findava a primavera que não parecia ter vindo quando dizia ter chegado na época em que já deveria ter dito adeus, num degelo, um fresco de água em qualquer riacho, mas não, ainda debitava humores quando já deveria ter finado.

Uma questão de nada ficava como se um sentimento fosse aquela união de palavras, viscosas, não em frases para um discurso saudável mas, pegajosas, as palavras, unidas num estranho húmus a tresandar de pus. Uma questão de nada ficava como um sentimento apodrecido na sombra húmida das locuções enclausuradas, aquela sombra onde lagartas proliferavam, os vermes da omissão eclodiam, e as letras, das palavras, eram halos da boca fechada no correr do tempo, agora putrefacta de silêncio.

Um vento irritante e descabido atirava folhas soltas, pelo chão, soprava papéis, lixo, como se de um outono esquecido. Naquela ironia de tempo que lhe fustigava a cara, abrigou-se para acender um cigarro. Irritava-o não ter mais tabaco. Olhava para o maço em mau estado e resmungou entredentes por ter apressado o passo, por ter até corrido devido ao vento estúpido, e não ter parado na tabacaria, não ter parado um instante, tido um ápice de alheamento para com o tempo e não ter pensado, um instante, um momento. Irritava-o tanto isso como as pessoas tossirem alto sem porquê e a fungarem constantemente como se de sinais ortográficos se tratasse em frases silenciosas e abstractas. E o vento da ira soprava sem nexo a estúpida primavera, atirando folhas e lixo, soprando mil e uma coisas, disperso, manejava o corpo dorido nas pernas que lhe pediam descanso, mas o vento, aquele sopro enorme, incoerente, cuspia-lhe sarcasmos, escarrava azedume numa cólera surda.

Uma visão de lua opaca tombava no lusco-fusco do fim, emergente, da tarde, o cair da tarde, o peso viscoso do começo da noite, o crescente entardecer no suicídio da tarde. Uma questão de nada ficava como um quarto minguante apodrecido na sombra húmida das masmorras, nas palavras agrilhoadas, bolorentas e feitas em lagartas. Vermes de palavras sem luz, as frases acorrentadas adoeciam lentamente de silêncio, putrefactas, como pontuação.