15 de outubro de 2012

Riba




  Há alturas da vida em que apenas olhamos para baixo e o chão parece-nos por demais perto, tanto que nos sentimos parte dele, integrantes, as órbitas repletas de terra, a pele cravejada com o saibro dos dias e a boca infestada pelo húmus pútrido da tristeza.
  Noutras vezes olhamos em redor e não tacteamos nada nem ninguém, tudo é uma imensidão deserta, uma quietude seca e morta, sequer uma brisa nos toca. Espreitamos para além do que pensamos visualizar como horizonte e o que deveria ser uma linha é um rasto disforme e gasoso que nos cega de miopia. Para cima, onde deveriam estar o sol ou a lua, nada se enxerga. Ao que parece nuvens ou deveriam ser gotículas de água condensada, nem sólidas, líquidas ou mistas, altas, médias ou baixas, nada se percebe. Poeira apenas. É uma densa e pesada escuridão que nos contém como que num cubo estanque e sufocante.
  Para cima ou para o lado é uma distância incomportável. Dizer qualquer coisa é como destacar a língua dum rigor mortis pois nada bule ao redor sequer, nada sobrevive numa atmosfera tóxica. E parece que se está no vácuo.
    
  Mas um dia esfregamos as pálpebras com violência, sopramos as teias que nos colam as pestanas e abrimos os olhos piscando-os com dor pela cor que nos ofusca e atrai em frente. O reflexo do coração atravessa a parede e devolve-nos o amor de nós próprios, devolve-nos o céu, o mar, escrito em sol com tinta de lua… devolve-nos a vida.


2012