4 de janeiro de 2011

Pormenor de outono




    Dei por mim como árvore e do vento apenas ausência, as folhas do meu outono continuavam presas aos ramos do silêncio. Menos que isto vomitei, menos que dos restos que me faziam agoniar, vomitei, larguei fora, deitei a gritar, abri a boca e saiu um mosto informe e nauseabundo de algo que não eu mas que saiu de mim.

Parou-me a digestão em coisas que nada tinham a ver com alimentos, coisas que em tudo até só tinham a ver contigo, mulher, minha companhia, onde perto, bem perto me sento, abraço, abraças-me também e eu correspondo quase te afogando em beijos.
Vomitei tanto, tanto, minha querida, o que saiu não sabes nem podes sequer formar ideia ou tomar medida. Meu amor, tudo o que foi em nada tem a ver com existires na minha vida.

    Abro os braços ante a janela fechada e sorrio, devia estar aberta. Abro a janela e respiro de braços abertos e sorrio porque chove, não sabia, não fazia a mínima ideia do tempo que acontecia mas queria, apenas queria abrir a janela e ver a rua. Olhar para ela e largar-me de olhos abertos a voar como nos sonhos, caindo, sem parar. Olhar para as coisas lá em baixo e continuar. A voar.


    Dei por mim como árvore e do vento apenas ausência, as folhas do meu outono continuavam presas aos ramos do silêncio.
Com e por ente tanta chuva consegui mesmo assim ficar seco, doente, mas seco. Doente porque a roupa secou no corpo e toda a água que me pareceu evaporar, entranhou. Entranhou-se-me a humidade nas pernas e agora dói-me as canelas, doem-me os ossos de tal forma que até parece que não tenho pele. Parece-me que os músculos não existem pois quando mexo, toco, apalpo, são coisa que não sinto com as mãos, num fincar de dedos são outra coisa, um volume estranho, um espaço que dói.
Quando lhes mexo parece que não toco, a pele, sinto a carne, apenas a minha carne que pesa, parece que me arrasto em quilos que não tenho. Dos olhos e da boca não lhes encontro forma, sinto-os quentes mas não lhes mexo.


    Abro os braços ante a janela fechada e sorrio porque devia estar aberta, aberta porque da última vez não consegui respirar por ela e chovia, a cântaros, chovia tanto tanto, que o que me apetecia era estar de braços abertos e não podia. Não podia estar sem olhar para fora, algures para lá e largar os olhos a voar, para além dos vidros, do caixilho de madeira ressequido e frágil. Não podia, naquela altura sem ver, não conseguia, seguro a isso, não podia, voar.


    Dei por mim como árvore e do vento apenas ausência, as folhas do meu outono continuavam presas aos ramos do silêncio. Dei por mim igual a mim mesmo, como o frio, como a chuva, só que em madrugadas diferentes. O sabor já não era o mesmo de ti comigo, os amanheceres já não retinham aquele cheiro. Os sons tinham o mesmo tamanho, a casa estava cheia connosco mesmo mas o sabor revelava taninos inesperados. Meu amor, o sabor era o paladar da tua ausência.
Os dedos criaram sulcos frios e nas mãos não senti onde tocavam, se em mim, se algures, se em nada. Não sinto mexer calor na minha pele. Com os dedos apalpo, seguro, arranho o ar, pelos dedos encontro até o paladar mas da carne não lhe sei o toque. Os dedos criaram sulcos em redor, agitaram o ar. Nele os desenhos de fumo pelo frio, dos meus dedos, quentes, no gelo do ar.



2010

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