24 de outubro de 2010

O tempo é um ladrão





Onde vais hoje? – perguntou ela.
Hoje? Sei lá eu… – disse ele.
Como assim?
É como te disse… talvez nem vá a lado nenhum…
Melhor que a lado algum…
Estás a filosofar, é?
Não. Falo apenas, digo…
Já percebi… também queres ir.
Eu? Sei lá onde vais… se quiser sair vou, não preciso de ti. – rematou ela.
Todos precisamos de companhia… – sorriu ele.
Não é isso que está em questão, só te fiz uma pergunta simples.
Sei, sei, mas com ela quiseste dizer muita coisa…
O que te disse foi o que fiz após te perguntar onde ias, mais nada.
Dizes tu…
Claro, ninguém fala por mim. – foi a vez dela sorrir.
Caramba, ainda estás assim?! – desdenhou ele com sarcasmo.
Assim como? Estou apenas aqui…
Não te entendo…
Fácil, nem careces de perguntar.
Como assim?
De novo?
Tanta pergunta…
Que mais te posso responder se não te afirmas?
Vês? De novo perguntas.
Mas o que é que uma coisa tem a ver com a outra?
Isso parece mesmo coisa que eu disse.
Esquece…
Como esquece?
Deixa…
Agora fazes birra?
Não me atentes…
Bonito…
Como assim?
De novo…
Não me provoques.
Ena, estás chateada…
Ainda aí estás?
Agora corres comigo.
Sorte a minha…
É já, se é isso que queres…
Gostava de ver… palavra que gostava…
Como assim?
Não fui clara? – ela estava séria.
Eu… – começou ele.
Não ouviste?
O quê?
Ah, já não te interessa…
O quê?
A conversa, claro… a conversa…
Ah… a conversa.
Que foi que eu disse?
Onde eu ia…
Como?
Estavas a perguntar onde eu ia… era isso.
Boa! Típico teu! – atirou ela.
Mas se não queres ir… porquê isso? – argumentou ele.
Nem te respondo.
Outra vez birra…
Ainda não fiz nenhuma.
Ora…
Não venhas com palavrinhas mansas…
Vês? Assim que te digo isto desmonto-te… – constatou ela.
Como assim? – irritou-se ele.
Por acaso já reparaste quantas vezes dizes ou perguntas o mesmo?
Não desvies…
Não, nada disso, até pelo contrário… apenas acho que estás perdido.
Vês? Assim que tento falar e te toco ficas em silêncio.
Não posso ficar calado?
Calas-te quando te toco e falas onde não mereço.
Mais um silêncio…
Não deixas escapar nada…
Deixa-te de aforismos.
Tu é que és dessas coisas…
Lugares comuns… coisas desse tipo…
Rifões?
Por exemplo…
Agora disfarças, é?
Não sei… – ela encolheu os ombros.
Agora não sabes? – aproveitou ele.
Não abuses da minha paciência…
Tu? Desde quando?
Como assim?
Sim, desde quando és dona de paciência?
Ainda me gozas?
Longe de mim tal ideia…
De facto, não vamos a lado nenhum. – suspirou ela.
Apenas porque não queres ir. – ironizou ele.
Já viste bem que tipo de diálogo?
Este?
Não, outro qualquer, todos os outros… todos, nenhum diferente deste.
Como assim?
Nunca chegamos a lado nenhum devido a essa tua ridícula e jocosa distância…
Que mais te posso dizer?
Não quero que me digas nada, apenas quero que o reconheças. – ela estava irritada.
Nada que eu diga te fará mudar a ideia que tens de mim. – garantiu ele.
Agora fazes-te de vítima?
Eu?
Não funcionamos, é simples, apenas não encontro mais nada em ti que me reveja.
E com essa me despachas, é?
Acho que me tomaste como algo garantido. – suspirou ela.
Só a morte nos garante e mesmo assim, acredito que é o fim. – rematou ele.
Crês que tudo gira em teu redor.
Várias vezes me deixas acreditar em tal…
É preciso ter lata!
Até tu!
Com assim?
Sim, tu, á minha volta, como se eu fosse uma jangada…
Tu? Uma jangada? – soltou ela numa gargalhada.
Que foi agora? – o ar dele era realmente de estupefacção.
Lembras-te do indivíduo sorumbático que um dia me veio bater á porta?
Não? Aquele pedinte que mendigava não pão e vinho e antes sim apenas um abraço?
Caramba… pára de divagar.
Não divago, apenas te recordo… que nem um beijo conseguias dar…
Agora estás a exagerar…
Quase ninguém te podia tocar, de tão frágil e carente.
Olha quem fala, quem se escondia atrás de palavras bonitas e frases elaboradas…
Todas elas tu correspondias na mesma medida. – constatou ela.
Isso é para medir forças, é? – ele quase se irritava.
Permanecer num clima como este apenas nos fará perdê-las.
Não me importo, disto não preciso!
Isto? O que é que temos que já não perdemos?
Achas então que já nada temos em comum?
Acho.
E isso é coisa que se perca?
Tenho sérias dúvidas…
De quê?
Do que senti por ti.
Falas no passado…
Creio que não temos futuro. – ela estava peremptória.
Então onde está a mulher que apenas acreditava no presente? – lembrou ele.
Eu estou aqui, agora, assim como amanhã posso já estar ali…
Não divagues.
Não tinhas onde ir?
Não desvies…
Vai, vai… e deixa-me ir. – e no entanto ela ouvia dentro dela:
(Quero-te tanto, diz-me o que quero ouvir de ti…)
Pois… assim não nos entendemos mesmo. – e soava dentro dele:
(Porque não dizes que me queres? Basta uma palavra para eu ficar…)



2009

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