30 de setembro de 2010

Ouvi Através da Parede



Ouvi através duma parede o que pareceu um murmúrio, um cicio, rumorejar de vagas, sopro de vento em arbustos ou ramos de árvores, assobio leve nas mais altas fragas. Ouvi através duma parede o que me surgiu num sussurro e suponho que em cada centímetro afastado mais perto ouvia nitidamente o que não distinguia, não reconhecia ouvir o que sabia. Mais perto que a presença tinha um som que me ocupava o espaço da memória, enchia o campo da ausência, mais perto do que pensava estar a ouvir e o que realmente conhecia, reconhecia, que me ocupava a curiosidade e me tomava o silencio.
Suponho que não seria ilusão de ouvir o que precisava ouvir, suponho que não seria imaginação minha, vontade incoerente nas pontas soltas desta tapeçaria.




Ouvi através da parede os ruídos costumeiros, dos mais desavindos aos mais comuns e corriqueiros, sopro de vento, brisa sacana, indistinta e urbana. Ouvi através da parede um corte na casca duma árvore, um som que era a lua que não via, ouvia, através da parede desculpas ocas, ingratas e toscas, era a lua e não a via. Mais distinto que um piar de gaivota, uma lenta e comprida vontade rouca, baixa de uma contagem louca, somar e diminuir em contas de agiota. Pode ser que tudo se mova além desta parede que me ocupava a curiosidade, pode ser, que atrás desta parede afinal seja tudo á frente. Um todo ou quase nada passado, apenas presente.


2008

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